segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O Testamento

O Mistério da Herança

Um homem rico estava muito mal, agonizando. Dono de uma grande fortuna, não teve tempo de fazer o seu testamento. Lembrou, nos momentos finais, que precisava fazer isso. Pediu, então,  papel e caneta. Só que, com a ansiedade em que estava para deixar tudo resolvido, acabou complicando ainda mais a situação, pois deixou um testamento sem nenhuma pontuação. Escreveu assim:

 “DEIXO MEUS BENS A MINHA IRMÃ NÃO A MEU SOBRINHO JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO PADEIRO NADA DOU AOS POBRES.”

 Morreu, antes de fazer a pontuação.

A quem deixava ele a fortuna? Eram quatro concorrentes: o sobrinho, a irmã, o padeiro e os pobres. Os herdeiros assim o pontuaram:

1) O SOBRINHO fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã Não A meu sobrinho Jamais será paga a conta do padeiro Nada dou aos pobres


2) A IRMÃ chegou em seguida. Pontuou assim o escrito :
Deixo meus bens à minha irmã Não a meu sobrinho Jamais será paga a conta do padeiro Nada dou aos pobres


3) O PADEIRO puxou a brasa pra sardinha dele:
Deixo meus bens à minha irmã Não A meu sobrinho Jamais Será paga a conta do padeiro Nada dou aos pobres


4) Então, chegaram os POBRES da cidade. Espertos, fizeram esta interpretação:
Deixo meus bens à minha irmã Não A meu sobrinho Jamais Será paga a conta do padeiro Nada Dou aos pobres

sexta-feira, 29 de junho de 2018

À Guisa de Manifesto.


Sejam todos bem-vindos ao blog "das artes" ou como mais especificamente sugere o nome "Acerca das 7 artes" que foi o modo como ficaram conhecidas "As Artes Liberais" - sistema educativo que remonta à Antiguidade Clássica grega[1]. Chamam-se "liberais" pois são dignas de um homem livre e que "não servem para ganhar dinheiro[2]", portanto, e mesmo que, em nossa sociedade moderna este quesito adquira várias nuances, qualquer atitude comercial[esca] vinculada à arte não será tratada aqui.
As Artes Liberais, no final da Idade Média, foram fixadas em sete: Gramática, Dialética, Retórica, Música, Aritmética, Geometria e Astronomia. Excluindo-se assim, a Pintura e a Escultura - artes mechanicae - atividades lucrativas.
Diferentemente das anteriores figurarão aqui as sete artes consideradas modernas, como consta no Manifesto das Sete Artes, de Ricciotto Canudo, de 1911, que elencou baseando-se em elementos que definem as linguagens próprias à cada "arte", as seguintes: Música, Dança, Pintura, Escultura, Teatro, Literatura e Cinema[3]. Incluindo-se além destas, qualquer manifestação artística que oriente seres de espírito livre, ou seja, emancipadoras, como a Filosofia, ou até mesmo a fruição do ócio [criativo], ou coisas correlatas.

Como já cantou Milton Nascimento[4]"todo artísta tem de ir aonde o povo está", o que não quer dizer, por outro lado, que esse artísta tenha que oferecer aquilo que o povo/público quer. O novo, qualquer inovação que configure ou demande de um projeto, e a referência à uma tradição, desde que criativa e renovadora, representa a consciência de sua condição como artista e a sua participação neste humilde espaço.
A maior intenção aqui é - junta com a de debater a arte - é estabelecer a Paideuma que para Ezra Pound [5] é "a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rápido possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com itens obsoletos".

Espero atingir, com a ajuda de todos, o esperado.

Boa Leitura!

Sofista Minimus.


Ps: Está é a capa do blog. Vejam as atualizações no menu à direita, lá encontrarão postagens sobre: Música [Lyra]; Cinema [Video]; Literatura [Littera]; Filosofia e pensamentos gerais [Otium], Jogos/Esportes [Ludus] e etc. Fiquem à vontade!
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1. Ernest Curtius. Literatura Européia e Idade Média Latina. pág, 38.
2. Idem. pág, 39.
3. Já foram adicionadas outras como a Fotografia, Arte Sequêncial (quadrinhos), Videogames e a Arte Digital.
4. Nos Bailes da Vida. Letra de Milton Nascimento e Fernando Brant.
5. Ezra Pound. ABC da Literatura.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Novidades

Para os amantes da Música (aqui tratada como um ente) vamos publicar mais artigos. Para começar, Música Brasileira.
Prometemos o melhor! Os Mutantes, Milton Nascimento e Clube da Esquina, Beto Guedes, Elis Regina.

Aguardem!!!


Pítias

terça-feira, 19 de maio de 2009

O Amor Líquido [Ou algumas considerações acerca do amor moderno]


Este é um artigo que nunca gostaria de escrever e muito menos que fosse necessária a sua indicação. Não por uma possível inutilidade, mas sim por um desejo idealista meu de que o Amor, instância para mim superior, fosse sempre imaculado e não influenciado por qualquer coisa que esteja fora dele mesmo. Mas infelizmente, neste sentido, como disse Marx:

"O modo de produção dos bens materiais de existência determina necessariamente o processo de vida social, cultural e intelectual [1].

Sendo o amor um fenômeno social e, portanto, construído historicamente, sofre influências desse mundo que se convencionou chamar de "pós-moderno" [2] e do modo de produção neoliberal, em que o "homem sem vínculos" [3] é eleito o nosso grande herói. Esse é o cerne do pensamento de Zygmunt Bauman, um dos nossos maiores sociólogos vivos, preocupação que pode ser vista melhor no seu livro, Modernidade Líquida e, em relação ao tema deste artigo, o Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos.

O conceito de líquido é uma retomada da célebre frase de Marx: "Tudo que é sólido se desmancha no ar" [4]; em que o filósofo critica a atuação da burguesia de substituir todas as relações que eram sólidas como, por exemplo, o amor e a família, que tanto ele como seu companheiro de produção Hengels, dissertariam depois [5]. Bauman estuda essas novas características modernas de conceitos líquidos, fluidos e leves que surgiram em oposição às ideologias fortes, pesadas e sólidas.

"O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo."[6]

Outra característica deste mundo líquido é o final da crença de que podemos alcançar um Estado de perfeição no futuro, que, pensando assim, "excluem-se" os valores sociais enquanto mantêm-se os individuais, com o seguinte pensamento: "Já que um mundo próspero não é possível então para quê gastarmos nosso tempo com isso?" [7].

Mas não podemos compreender a liquidez de Bauman simplesmente relacionada ao vazio ou ao randômico, mas sim associada à leveza de Ítalo Calvino, nas Seis propostas para o próximo milênio, em que esta seria ligada à determinação e à precisão e neste enfrentamento de forças a liquidez deixa e leva marcas nesse fluir.

Neste sentido a liquidez é um sólido e o próprio autor afirma que a modernidade tem por característica o derretimento dos sólidos desde o seu princípio, mas como preparação para outros e novos sólidos. Podemos conferir que essa liquidez não está próxima do aleatório, mas sim do determinado e assim à leveza; aproximação que Bauman mesmo fez:

“Há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro cúbico, são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-los como mais leves; menos “pesados” que qualquer sólido”.[8]

Para iluminarmos mais ainda estas passagens evoco Valery que, aliás, aparece em outra citação já no início do livro: “É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma” [9]. Em que expressa mais uma vez com clareza o exemplo da determinação precisa.

Voltando à questão do amor líquido que, neste livro, é estudado por Bauman nas suas várias possibilidades, como sendo: amor ao próximo, ao cônjuge ou nós mesmos. Na era globalizada, que a velocidade, seja de informações ou contato, é de extrema importância, tudo passa a ser encarado como mercadoria [10] e, o amor, como conceito, passa então a sofrer algumas modificações.

O homem criou ou se identificou em tribos, grupos, cidades, estados e etc., ou seja, necessita de relacionar-se, mas os relacionamentos modernos, segundo Bauman, são um dos valores mais ambivalentes; "pedimos" um relacionamento, mas ao mesmo tempo ansiamos para que seja leve.

Pelo ritmo veloz e influência da mídia não usamos freqüentemente a palavra relacionamento, que soa excessivamente pesada, mas sim "conectar-se" expressão identificada com o mundo virtual onde outro modelo ilustra o mundo líquido: as redes. Sejam elas sociais ou de relacionamentos, como os conhecidos Orkut e MSN, pessoas se conectam umas às outras e conservam as suas redes, em que as conexões entre pessoas são feitas por escolhas tanto para conectar-se ou desconectar-se, tudo isso num ambiente de movimentos em que o compromisso pode fechar portas para novas conexões ou experiências. Observe o crescente número de pessoas que se proclamam de "relacionamento aberto" ou os "casais semi-separados", tudo isso para não diminuírem suas "possibilidades românticas" e também quando qualquer conexão começa a dar problema ou, às vezes, muito antes disso, a reação é, ao invés de se pensar em resolver o problema, tem-se a "vantagem" de desconectar, excluir, deletar ou simplesmente bloquear para outro momento oportuno ou um “nunca mais" que seja.

Além da velocidade e a noção de mercadoria, que juntas, tornam lícita e até mesmo justificam posições como o relacionamento aberto, em que, como numa aplicação na bolsa de valores, não titubeamos em vender uma ação quando ela está em baixa, da mesma forma, não hesitamos, segundo Bauman, de fazer o mesmo quando aparece uma nova possibilidade de "conexão" aparentemente mais lucrativa que a nossa atual. Este livro de Bauman não é uma coleção de formulas de sucesso para o amor (isso é coisa para os livros de auto-ajuda!) nem de como conservá-lo, mas ele traça um panorama definido sobre o momento único que vivemos, em que nunca houve tanta liberdade e facilidade na escolha de nossos parceiros - no sentindo de ser possível a possibilidade -, no entanto, isso nós remonta a um cenário dramático de incertezas, pois não sabemos se queremos ou não sair dessa situação [11], que é o que faz o autor não ter um prognóstico definitivo sobre o nosso rumo. Isso revela o que, Gioconda Bordon, disse, certa vez sobre o livro [12]:

"A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa."

Não estou generalizando ou tendo uma visão pessimista do amor, que como disse no início, e ainda continuo com essa posição, é de uma instância superior, mas uma observação muito atenta deste livro e mesmo do pensamento de Bauman, é necessária, pois o estágio atual do mundo e do amor moderno seja como negação, percepção e adesão, nos afeta.

Bom pensamento e bom ócio!




Sofista Minimus.




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[1]. Karl Marx. A Ideologia Alemã. Boitempo, São Paulo, 2007.

[2]. Termo muito usado por pensadores como Jean-François Lyotard que, entre outras diz, que a era das grandes narrativas, os mitos e os grandes esquemas ou escolas de pensamento haviam chegado ao fim.

[3]. Esse é o héroi do livro de Roberto Musil, O Homem Sem Qualidades, que Bauman retoma.

[4]. Karl Marx. O Manifesto do Partido Comunista. L&PM, São Paulo, 2001. Esta frase também é o título de um bom livro de Marshal Berman que também estuda a modernidade.

[5]. Hengels escreveu, por exemplo, A Origem da Família.

[6]. Zygmunt Bauman. Modernidade Líquida. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2001. Pág. 8.

[7]. Antonio Candido, num belo especial dedicado aos seus 90 anos, ano passado, abordou o assunto alertando para o perigo que marca o final dessas grandes ideologias, marca da nossa época, em que pode ser iminente que surja um discurso ufano ou mesmo "religioso-além-mundano”, com bastante força.

[8]. Modernidade Líquida. pág. 8.

[9]. Ítalo Calvino. Leveza. In Seis propostas para o próximo milênio. Companhia das Letras, São Paulo, 1990.

[10]. Karl Marx, no primeiro capítulo d’O Capital, já nos alertava para a característica burguesa de considerar tudo como uma mercadoria.

[11]. E talvez essa condição ideal nunca possa ser possível, pois Bauman diz adiante que "Todo amor é antropofágico” assim pode ser considerado como sendo um relacionamento por excelência "pesado" por mais que aspire à leveza.

[12]. Jornal Gazeta Mercantil, Caderno Fim de Semana, em 31 de julho de 2004

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Acabou Chorare, Novos Baianos.


Ficha Técnica:

Acabou Chorare.

Coordenação geral: João Araújo;Produção musical – Eustáquio Sena;Gravadora: Som Livre. Estúdio: Somil
Produção gráfica e fotos: Antonio Luis (Lula);Montagem do álbum – Joel Cocchiararo.
Músicos: Pepeu (Guitarra; Violão solo e Craviola); Jorginho (bateria; bongô e Cavaquinho); Baixinho (Bateria, Bumbo e Bongô); Dadi (Baixo); Moraes Moreira (Violão base);Paulinho Boca de Cantor (Pandeiro); Baby Consuelo (Afoxé, triangulo e maracas) e Bolacha (Bongô).

Arranjos:
Moraes Moreira e Pepeu Gomes



Antes de iniciar propriamente a análise da obra, preciso nos situar no momento anterior ao seu lançamento, mas que, certamente, determinou a sua concepção.

Início dos anos 70 e o país acabara de passar pelos seus movimentos musicais mais importantes: Bossa Nova e Tropicália. Foi pouco após ao surgimento e explosão desta última "vanguarda" que se formou os Novos Baianos[1], e assim, com clara orientação tropicalista, haviam concebido e lançado Ferro na Boneca [1970], essencialmente roqueiro; o quase experimental No Fim Do Juízo [1971] e mais dois compactos [2]. Após mudarem-se para um apartamento, em Botafogo, no Rio de Janeiro, aconteceu um encontro que entraria para a história da música brasileira. Convidado pelo integrante da banda e poeta, Luiz Galvão, João Gilberto foi visitá-los; ao abrir a porta Dadi pensou que aquele homem de terno era um policial, mas felizmente era João e o violão, que para a surpresa de todos ali que eram seus fãs, reinventou a forma destes baianos ver e tocar música, principalmente, neste aspecto, Moraes Moreira e Pepeu Gomes. João não se limitou exlusivamente a aproximá-los de uma incorporação deles à bossa-nova, como também indicou que fizessem releituras, assim como ele, de sambas antigos, o que foi seguido não só neste instante mas nos outros albúns da banda.

Assim começou a história do ACABOU CHORARE, título um tanto insólito, mas explico-lhes: numa dessas visitas João contou que, no período que passara o exílio no México, sua filha, a hoje cantora Bebel Gilberto, frequentemente misturava o português com o espanhol, e certa vez, ao cair, enunciou: "Acabou Chorare, papai".
Iniciando, de fato, o albúm, a primeira música é Brasil Pandeiro, cantada com um sabor e swingue singular por Baby Consuelo, revela as preceptivas do albúm, o que fariam à partir desse instante, expressa em versos como:


“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui à Penha e pedi à padroeira para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, pendura a saia que eu quero ver
Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar”

[...]

"O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada"



Estão aí registradas a "receita" que muitos[3] usaram para definir o grupo como uma mistura de Jimi Hendrix [que aqui poderia ser o "Tio Sam"] e "batucada" representado pelos ritmos brasileiros e também por Jacob do Bandolim[3]. Brasil Pandeiro é uma nova leitura de um samba exaltação[4], dos anos 30, composta por Assis Valente, e esta era a indicação que mencionei que João Gilberto fez para o grupo.

A segunda faixa é Preta Pretinha cantada por Moraes e escrita por Galvão, que conta no livro que escreveu sobre Os Novos Baianos, que a letra nasceu de um romance mal sucedido[5].


“A jovem combinou comigo para que eu fosse a Niterói conhecer seu pai e, na volta, ela viria morar comigo no apartamento dos Novos Baianos, em Botafogo. Pegamos a barca, conheci o pai dela, mas, na volta, ela se arrependeu e voltou para o seu namorado. À noite, escrevi a letra sob o impacto desse insucesso e, na certa, o subconsciente deu uma panorâmica em todas as minhas histórias de amor.”
Assim, veio-lhe à lembrança a figura de Socorrinho (“Só, somente só...”), uma antiga namorada de Juazeiro, que completou a inspiração para os versos de “Preta Pretinha”:

“Enquanto eu corria / assim eu ia / lhe chamar / enquanto corria a barca / em minha cabeça / não passava / só, somente só? assim vou lhe chamar? assim você vai ser / lá-já-lá-iá / lá-iá-lá-iá-lá-iá / preta, preta pretinha / (...) / abre a porta e a janela / e vem ver o sol nascer...”


Preta Pretinha, predominantemente em alguns trechos, cria uma impressão cinematrográfica, imagética ou fanepéica, segundo definiu Augusto de Campos, de Pound: "Fanepéia: Uma lance de imagens sobre a imaginação visual"[6]. Veja se não é isso que ocorre nestes trechos:


"Abre a porta e a janela. E vem ver o sol nascer" e "Enquanto eu corria. Assim eu ía lhe, chamar!Enquanto corria a barca".



O terceiro sucesso é Tinindo Trincando com outra deliciosa interpretação de Baby e também o primor criativo do aqui abrasivo Pepeu Gomes, que conseguiu expressar em frases, riffes e solo, [7] desde o começo, o que está no título da música. Foi no limiar ao tinir e trincar na guitarra. Sobretudo é notável, nesse momento, a união e completude que esses dois -Pepeu e Baby- alcançaram; o que me faz concluir, nessa música, e em outras como A Menina Dança e especialmente Brasileirinho que eles eram os parceiros musicalmente perfeitos dentro de suas características [o que me lembra o que eu disse sobre João e Astrud Gilberto no primeiro artigo que escrevi aqui].

Swing de Campo Grande exemplifica bem, com a mistura de samba, partes de chorinho, junto à percussão, o trabalho orgânico do grupo em que, seja nessa ou noutras faixas, desde Baby (Afoché-triângulo, maracas) e Paulinho Boca de Cantor (Pandeiro) todos tocam. Destaco aqui também a "banda dentro da banda", os antes chamados Os Leifs[8] e que se tornaram conhecidos, posteriormente, como A Cor do Som que tocou e foi importante para vários outros artistas também como: Gal Costa - Tigresa com eles é a versão perfeita -; Gilberto Gil, Caetano, Bethânia - tocaram para os Doces Bárbaros -; Chico Buarque - destaque para Hino de Duran. [Ainda farei a seguinte enquete: Qual foi a maior banda de apóio da história? A Cor do Som; Vitória Régia - que tocou para Tim Maia no mítico Racional -; Som Imaginário - que participou de O Milagre dos Peixes com Milton Nascimento-; ou Spiders From Mars do albúm do David Bowie/Ziggy Stardust " The Rise an Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars.

Voltando ao disco [Concentre-se no disco!]...

A faixa-título é genericamente uma bossa nova [9] - gênero que não é somente a batida do violão e o canto característico mas também é inerente uma linguagem "leve" [10]. A canção assemelha-se à uma música de ninar[11] ou feita para acalmar criança, mas paradoxalmente [e isso que é bom! Pois estamos falando de música e poesia, portanto não há a necessidade de sermos monossêmicos] sugere algo de outra ordem nos vocábulos ou frases como: "bu-bu-bulindo" que apesar de se conectar à forma que alguns pais falarem às crianças recém-nascidas balbuciando; liga-se também à bulinar o que é reforçado, na música, pelo vocábulo, cama e algumas onomatopéias como "".

Chegamos agora, considerando, é claro, toda a unidade da obra, ao seu ponto mais elevado: Mistério do Planeta. Composta por Morais e Galvão a letra, como sempre deveria acontecer, mostra e/ou segue a orientação do título, e portanto, não é de fácil intelecção. Vou tentar iluminar alguns mistérios.
Os perfeitos arranjos iniciais, assim como todos do elepê, são de Moraes e Pepeu, e a interpretação de uma beleza lírica, aliás o momento é de um lirismo ímpar, fica à cargo de Paulinho Boca de Cantor. O Mistério explícito na música é aquele que se não encontrará nos livros, teorias e etc, ele só será encontrado vivendo;


"Vou mostrando como sou e vou sendo como posso. Jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos. "


E nas três fases da vida, que é comum à todos [ou deveria] :


"O tríplice mistério do "stop", que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um".


Todo esse clima é muito bem construído e sustentado, além dos citados arranjos, pelo baixo e percussão do pessoal do A Cor do Som, e culmina com um dos maiores solos de toda a história: cortante, limpo, preciso, sem "fritações", - Pepeu no auge dos seus 20 anos!.

A próxima A Menina Dança parece ter sido escrita para o jeitinho irreverente de Baby [claro que antes dela virar evangélica. Sim, isso mesmo, Evangélica!], a letra já foi interpretada como mostrando uma gravidez e também como de ter conotação sexual. As duas posições são válidas considerando versos como : "E dentro da menina, a menina dança" e "Mas eu mesma viro os olhinhos"; mas como diz outra música dos Novos Baianos [12] "Mãe pode ter e ser bebê e até pode ser Baby também", então, assim, contemplemos as duas proposições.

Caminhando já para a parte final do disco ouçamos Besta é Tú que, num primeiro momento, sempre se mosta como sendo não muito profunda e até mesmo uma brincadeira, mas num outro nível, parece nos alertar contra a realidade que, de maneira vária, apreendemos como normal. Contrariando essa primeira impressão, a canção tem algo de filosófico que me remete à Nietzsche, precisamente, Assim Falou Zaratustra, que nos seus discursos, o terceiro, Zaratustra profere algumas palavras, as quais transcrevo algumas agora, para uma melhor entendimento[13]:

DOS CRENTES EM ALÉM MUNDOS.


Um dia, Zaratustra elevou a sua ilusão mais além da vida dos homens, à maneira de todos os que crêem em além-mundos.Obra de um deus dolente e atormentado lhe pareceu então o mundo.“Sonho me parecia, e ficção de um deus: vapor colorido ante os olhos de um divino descontente.Bem e mal, alegria e desgosto, eu e tu, vapor colorido me parecia tudo ante os olhos criadores. O criador queria desviar de si mesmo o olhar... e criou o mundo.Para quem sofre é uma alegria esquecer o seu sofrimento. Alegria inebriante e esquecimento de si mesmo me pareceu um dia o mundo.Este mundo, o eternamente imperfeito, me pareceu um dia, imagem de uma eterna contradição, e uma alegria inebriante para o seu imperfeito criador.Da mesma maneira projetei eu também a minha ilusão mais para além da vida dos homens à semelhança de todos os crentes em além-mundos. Além dos homens, realmente?Ai, meus irmãos! Este deus que eu criei, era obra humana e humano delírio, como todos os deuses.Era homem, tão somente um fragmento de homem e de mim. Esse fantasma saía das minhas próprias cinzas e da minha própria chama, e nunca veio realmente do outro mundo.Que sucedeu, meus irmãos? Eu, que sofria, dominei-me; levei a minha própria cinza para a montanha; inventei para mim uma chama mais clara. E vede! O fantasma ausentou-se!Agora que estou curado, seria para mim um sofrimento e um tormento crer em semelhantes fantasmas. Assim falo eu aos que creem em além-mundos.Agora que estou curado, seria para mim um sofrimento e um tormento crer em semelhantes fantasmas. Assim falo eu aos que creem em além-mundos.Sofrimentos e incompetências; eis o que criou todos os além-mundos, e esse breve desvario da felicidade que só conhece quem mais sofre. A fadiga, que de um salto quer atingir o extremo, uma fadiga pobre e ignorante, que não quer ao menos um maior querer; foi ela que criou todos os deuses e todos os além-mundos" [...]
[Grifos Meus]

A instrumental Bilhete pra Didi, explicita toda essa mistura e versatilidade que venho ressaltando, frevo, rock, baião, todos aqui, em mais uma bela demonstração de pegada de Pepeu Gomes. [Ah! O Didi que aparece no nome da música é o baixista Didi Gomes, irmão de Pepeu, que participa nessa gravação e entrou definitivamente pra banda em 76].

Pra fechar a obra, temos um repeteco de Preta Pretinha, versão reduzida, 3 minutos e 25 segundos, que foi pensada para ser tocada nas rádios, pois a outra, de mais de 6 minutos e meio, era impensável de serem lá vinculadas, mas contrariando expectativas esta última fez o maior sucesso.

Espero que tenha sucitado, com essa exposição, a vontade de vocês ouvirem este álbum que, para limitá-lo à uma classificação é, para mim, o maior albúm de música popular brasileira de todos os tempos. Não só para mim, mas outros orgãos de comunicação, como a revista Rolling Stone, também têm este vaticínio. [vejam aqui]

Bem, descansem da [extensa] leitura.

Link para baixar o CD aqui.



E Bom Som!



Sofista Minimus.


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[1]. Novos, pois, velhos baianos se tratavam de Caetano, Gil, Gal e Bethânia.

[2]. Um compacto simples e outro duplo. Informações e datas no site "Oficial": http://www.sombras.com.br/novosb/novosb.htm

[3] . O próprio Moraes Moreira, no programa Ensaio da Tv Cultura, em 1973, afirmou que o grupo seria uma mistura de Jimi Hendrix com Jacob do Bandolim.

[4]. O Samba-exaltação, era um [sub-] gênero que se propunha a elevar as características sejam elas regionais ou de todo país. Teve talvez o seu maior expoente em Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, gravada na década de 30.

[5]. Luiz Galvão. Anos 70: Novos e Baianos.

[6]. Ezra Pound. ABC da Literatura. Introdução de Augusto de Campos.

[7]. Esse expressão da guitarra, presente, do início ao fim da música, conexa com a harmonia, é que me faz gostar, entre outras músicas, de Iron Man do Black Sabbath.

[8]. Pepeu Gomes e seu irmão o baterista Jorginho também faziam parte da banda, mas ao se casar com Baby, foi incorporado aos Novos Baianos.

[9]. Há também faixas, se não genuinamente bossanovísticas, fortemente influenciadas por esta como Quando Você Chegar até a satírica Sensibilidade da Bossa etc.

[10]. Ruy Castro. Chega de Saudade. pág. 321.

[11]. Bebel (Isabel), do Albúm Novos Baianos ou Linguagem do Alunte, composta por João Gilberto também é uma canção de ninar.

[12]. Sorrir e Cantar como Bahia do Albúm Novos Baianos Futebol Clube, de 1973.

[13]. Nietzsche. Assim Falava Zaratrusta. pag. 42.

domingo, 5 de abril de 2009

Poética, Aristóteles.


O primeiro livro que indico aqui não é de Literatura - me incomoda não ter uma palavra na língua portuguesa que diferencie Literatura Imaginativa, como Dichtung no alemão[1], da Literatura entendida como um conjunto de textos ou de saberes sobre algo - , mas a Poética de Aristóteles tem que, obrigatóriamente, estar aqui.

Este é o livro que reabilitou a poesia depois dela ter sido considerada imprópria por Platão n'A República; também aqui sistematizou-se, pela primeira vez, os gêneros literários em: épico, lírico e dramático[2], além de aproximar a literatura da noção de arte e considerar o "poeta" como portador de uma técnica - techne - ao contrário da crença anterior que os consideravam inspirados por Deuses/Deus.

O mais impressionante nessa leitura é a facilidade com que são expostos os conceitos, que são explorados na sua maioria em minúcias, em categorias bem delimitadas. Mas vale lembrar que este texto não foi concebido para ser um livro, é resultado do que poderíamos chamar hoje de um Plano de Aula para seus discípulos. A Poética chegou até nós em precário estado de conservação, mutilado em partes e sem um segundo livro que tratava da comédia, que o próprio Aristóteles faz menção em partes anteriores do texto e que, o sumiço, foi, e é; alvo de várias teorias, como a do romance O Nome da Rosa de Umberto Eco, de que este volume teria sido retirado pela igreja, por receio que assim como o filósofo tornou lícita a poesia, instituísse também o riso amplamente na sociedade. Dessa forma, no romance, o clérigo se defende: "O riso é a fraqueza, a corrupção, o amolecimento da nossa carne. É a diversão para o camponês, a licença para o alcoólico..." [3]. Não é de se estranhar esse poder de Aristóteles, e é muito interessante perceber a maneira que ele constrói a defesa do que chama de poesia e que podemos chamar, genericamente, de Literatura; vamos ao próprio texto:

"1. Falemos da poesia - dela mesma e das suas espécies, da efectividade de cada uma delas, da composição que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema resulte perfeito, e, ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e, semelhante, de tudo quanto pertence a esta indagação - começando, como é natural, pelas coisas primeiras."
[Tradução Eudoro de Sousa. Grifos meus]

Este paragráfo é modelar pra tentar demonstrar um pouco do método aristótelico neste livro. Olhamos primeiro pra seleção lexical. Veja o vocábulo grifado "espécies", aqui é o cientista que irá categorizar, a diante, as várias manifestações "literárias" para que resultem produções perfeitas, e para demonstrar como fazê-lo começará a sua exposição de onde é necessário que se faça, do início. Vejamos no texto: "começando, como é natural, pelas coisas primeiras." O princípio seria, então, definir a natureza da poesia, que é a imitação - mímesis ou representação - que foi um dos motivos que Platão considerou como negativo [4], mas Aristóteles entra no cerne do pensamento de seu mestre e assim diz que "o imitar é congênito [natural] no homem", assim o homem aprende as primeiras coisas e imitando até sente prazer . Ele não só se contentou em chancelar a poesia, também afirmou que ela possui um carácter mais filosófico que a História, pois esta trata do particular, posto que aquela trata do universal. Isso é muito significativo se considerarmos que Aristóteles é contemporâneo de Heródoto e Tucídites, grande historiadores.

Após classificá-la como mímesis Aristóteles a difere das outras artes pelo meio, modo e objetos que imitam. A poesia vale-se principalmente por meio da linguagem, os objetos imitados que são as ações humanas - de elevada ou de baixa índole - e os modos de imitar: o narrativo, o dramático - o teatro - "quer mediante todas as pessoas imitadas, operando e agindo elas mesmas" e outra forma "híbrida" -em primeira pessoa- que é chamado de gênero lírico mas que em muito se difere do que conhecemos como tal hoje. Pode parecer estranho mas também cabe à Aristóteles a primazia de se pensar as estórias - ele diz mitos ou fábulas- sendo unas e dotadas de unidades de ação - que ele distingue entre unidade histórica e poética - uma ação completa de começo, meio e fim. [Não, ele não está nos achando completos ignorantes, apenas está lecionando, brilhantemente, enquanto caminhamos e aprendemos mais!]. A diante, o filósofo faz considerações muito valiosas sobre a tragédia, mito trágico, reconhecimento e perípécia na tragédia , herói trágico, a catástrofe, em que ele considera Édipo Rei de Sófocles uma obra modelar, por ter alto grau de excelência nesses quesítos e, principalmente por, nesta obra, o reconhecimento e a peripécia ocorrerem juntas.

Bem a obra em si e no que ela transcende supera em tudo o que foi dito aqui, pois uma obra escrita no século III a.C, sem maiores pretenções, além da de ensinar, é [re]tomada amíude, seja para exautá-la ou mesmo para contestá-la, que mesmo chegando a nós de maneira inacabada ou incompleta, não pode ser colocada de lado e mesmo nos seus detratores aparece repetidas vezes mesmo que o autor dor desse juízo o coloque apenas como nota de rodapé.

Termino aqui com uma frase de W. D. Ross, professor, crítico e especialista em Aristóteles:

"A Poética está longe de ser uma teoria da poesia em geral, menos ainda das belas artes. No entanto contém talvez o maior número de idéias fecundas sobre a arte que qualquer outro livro[5]".




Boa Leitura!


Sofista Minimus.


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[1]. Ezra Pund. ABC da Literatura.

[2]. Platão n'A República formulou uma definição embrionária que chamou: de relato simples, o de imitação e outro que definiu como "ambos a um só tempo". [A República de Platão. Tradução de Jaime Guinsburg. Pág. 107].

[3]. Leia este livro. O Nome da Rosa de Umberto Eco. Ed. Nova Fronteira.

[4]. Para Platão, a imitação rebaixa os homens pois está afastadas da idéia em três graus. Para explicitar esta teoria dá o exemplo da cama; existe a idéia ou conceito de cama que habita no Mundo das Idéias e ela é perfeita, única e criada por Deus. O fabricante faz a cama baseada na idéia da cama, no entanto o poeta imita a cama que observou do fabricante, ou seja, faz uma cópia da cópia, um simulacro da realidade. Platão também afirma que a poesia, por expor más representações de caracteres de deuses e homens, por exemplo, corrompe os jovens e outras pessoas, portanto a poesia seria apenas para alguns iniciados. [Não estava de todo modo errado - sic!]
[5].David Ross, Aristóteles, trad. Luís Filipe Bragança S. S. Teixeira, Lisboa, Dom Quixote, 1987.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A aposentadoria de Gabriel García Marquez.


A ocasião merece uma postagem melhor que essa, mas infelizmente estou sofrendo algumas limitações de tempo, que espero solucioná-las em breve. De toda forma não posso deixar ficar em branco o que foi noticiado ontem em várias agências de notícias [1]; que Gabriel García Marquez irá se aposentar, e assim, não escreverá mais livros. Apesar de não ter visto nenhuma declaração do próprio lembro-me de tê-lo visto dizer na Feira de livros de Guadalajara, em fevereiro, que "escrever livros dá trabalho". Numa declaração que me parecia que esse processo estava se tornando pesaroso ao longo desses anos todos. Eu ainda estou encarando com uma notícia de primeiro de Abril, torço para que seja, mas recebi a notícia com muito pesar e achei, a posteriori, que era inconcebível ele parar de escrever, numa espécie de "Como assim parar?!?!"... Mas o grande escritor, se assim decidiu, terá agora o seu merecido descanso. Já fez muito e não tem que continuar somente para suprir expectativas de leitores [minha!] e não por necessidade criativa ou coisa similar. Ele já nos iluminou muito ao, assim como Kant em relação à Hume, ser desperto para Literatura ao ler Metamorfoses de Kafka, e achar que poderia fazer o mesmo com seus personagens, criando assim a Literatura mágico-realista na América Latina.

Noticiou-se que ele também tem livros prontos ou semi-prontos que não sabe ainda se irá publicar. Entendo que cedo ou tarde, numa morte física futura [Ele é imortal!] irão ser publicados esse escritos. Mas quero que ele permaneça vivo por uns 100 anos mais.

Para quem não o conhece fica aqui a indicação de dois livros fundamentais: Cem Anos de Solidão. Que certamente está na minha paideuma e que, futuramente, farei uma análise aqui.

E General em seu Labirinto.

Bom descanso Gabo! e Boa Leitura pra vocês!




Sofista Minimus.

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[1].Jornal da Madeira: Clique aqui para ver.

IOL: Ver.

E G1: Aqui.