domingo, 5 de abril de 2009

Poética, Aristóteles.


O primeiro livro que indico aqui não é de Literatura - me incomoda não ter uma palavra na língua portuguesa que diferencie Literatura Imaginativa, como Dichtung no alemão[1], da Literatura entendida como um conjunto de textos ou de saberes sobre algo - , mas a Poética de Aristóteles tem que, obrigatóriamente, estar aqui.

Este é o livro que reabilitou a poesia depois dela ter sido considerada imprópria por Platão n'A República; também aqui sistematizou-se, pela primeira vez, os gêneros literários em: épico, lírico e dramático[2], além de aproximar a literatura da noção de arte e considerar o "poeta" como portador de uma técnica - techne - ao contrário da crença anterior que os consideravam inspirados por Deuses/Deus.

O mais impressionante nessa leitura é a facilidade com que são expostos os conceitos, que são explorados na sua maioria em minúcias, em categorias bem delimitadas. Mas vale lembrar que este texto não foi concebido para ser um livro, é resultado do que poderíamos chamar hoje de um Plano de Aula para seus discípulos. A Poética chegou até nós em precário estado de conservação, mutilado em partes e sem um segundo livro que tratava da comédia, que o próprio Aristóteles faz menção em partes anteriores do texto e que, o sumiço, foi, e é; alvo de várias teorias, como a do romance O Nome da Rosa de Umberto Eco, de que este volume teria sido retirado pela igreja, por receio que assim como o filósofo tornou lícita a poesia, instituísse também o riso amplamente na sociedade. Dessa forma, no romance, o clérigo se defende: "O riso é a fraqueza, a corrupção, o amolecimento da nossa carne. É a diversão para o camponês, a licença para o alcoólico..." [3]. Não é de se estranhar esse poder de Aristóteles, e é muito interessante perceber a maneira que ele constrói a defesa do que chama de poesia e que podemos chamar, genericamente, de Literatura; vamos ao próprio texto:

"1. Falemos da poesia - dela mesma e das suas espécies, da efectividade de cada uma delas, da composição que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema resulte perfeito, e, ainda de quantos e quais os elementos de cada espécie e, semelhante, de tudo quanto pertence a esta indagação - começando, como é natural, pelas coisas primeiras."
[Tradução Eudoro de Sousa. Grifos meus]

Este paragráfo é modelar pra tentar demonstrar um pouco do método aristótelico neste livro. Olhamos primeiro pra seleção lexical. Veja o vocábulo grifado "espécies", aqui é o cientista que irá categorizar, a diante, as várias manifestações "literárias" para que resultem produções perfeitas, e para demonstrar como fazê-lo começará a sua exposição de onde é necessário que se faça, do início. Vejamos no texto: "começando, como é natural, pelas coisas primeiras." O princípio seria, então, definir a natureza da poesia, que é a imitação - mímesis ou representação - que foi um dos motivos que Platão considerou como negativo [4], mas Aristóteles entra no cerne do pensamento de seu mestre e assim diz que "o imitar é congênito [natural] no homem", assim o homem aprende as primeiras coisas e imitando até sente prazer . Ele não só se contentou em chancelar a poesia, também afirmou que ela possui um carácter mais filosófico que a História, pois esta trata do particular, posto que aquela trata do universal. Isso é muito significativo se considerarmos que Aristóteles é contemporâneo de Heródoto e Tucídites, grande historiadores.

Após classificá-la como mímesis Aristóteles a difere das outras artes pelo meio, modo e objetos que imitam. A poesia vale-se principalmente por meio da linguagem, os objetos imitados que são as ações humanas - de elevada ou de baixa índole - e os modos de imitar: o narrativo, o dramático - o teatro - "quer mediante todas as pessoas imitadas, operando e agindo elas mesmas" e outra forma "híbrida" -em primeira pessoa- que é chamado de gênero lírico mas que em muito se difere do que conhecemos como tal hoje. Pode parecer estranho mas também cabe à Aristóteles a primazia de se pensar as estórias - ele diz mitos ou fábulas- sendo unas e dotadas de unidades de ação - que ele distingue entre unidade histórica e poética - uma ação completa de começo, meio e fim. [Não, ele não está nos achando completos ignorantes, apenas está lecionando, brilhantemente, enquanto caminhamos e aprendemos mais!]. A diante, o filósofo faz considerações muito valiosas sobre a tragédia, mito trágico, reconhecimento e perípécia na tragédia , herói trágico, a catástrofe, em que ele considera Édipo Rei de Sófocles uma obra modelar, por ter alto grau de excelência nesses quesítos e, principalmente por, nesta obra, o reconhecimento e a peripécia ocorrerem juntas.

Bem a obra em si e no que ela transcende supera em tudo o que foi dito aqui, pois uma obra escrita no século III a.C, sem maiores pretenções, além da de ensinar, é [re]tomada amíude, seja para exautá-la ou mesmo para contestá-la, que mesmo chegando a nós de maneira inacabada ou incompleta, não pode ser colocada de lado e mesmo nos seus detratores aparece repetidas vezes mesmo que o autor dor desse juízo o coloque apenas como nota de rodapé.

Termino aqui com uma frase de W. D. Ross, professor, crítico e especialista em Aristóteles:

"A Poética está longe de ser uma teoria da poesia em geral, menos ainda das belas artes. No entanto contém talvez o maior número de idéias fecundas sobre a arte que qualquer outro livro[5]".




Boa Leitura!


Sofista Minimus.


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[1]. Ezra Pund. ABC da Literatura.

[2]. Platão n'A República formulou uma definição embrionária que chamou: de relato simples, o de imitação e outro que definiu como "ambos a um só tempo". [A República de Platão. Tradução de Jaime Guinsburg. Pág. 107].

[3]. Leia este livro. O Nome da Rosa de Umberto Eco. Ed. Nova Fronteira.

[4]. Para Platão, a imitação rebaixa os homens pois está afastadas da idéia em três graus. Para explicitar esta teoria dá o exemplo da cama; existe a idéia ou conceito de cama que habita no Mundo das Idéias e ela é perfeita, única e criada por Deus. O fabricante faz a cama baseada na idéia da cama, no entanto o poeta imita a cama que observou do fabricante, ou seja, faz uma cópia da cópia, um simulacro da realidade. Platão também afirma que a poesia, por expor más representações de caracteres de deuses e homens, por exemplo, corrompe os jovens e outras pessoas, portanto a poesia seria apenas para alguns iniciados. [Não estava de todo modo errado - sic!]
[5].David Ross, Aristóteles, trad. Luís Filipe Bragança S. S. Teixeira, Lisboa, Dom Quixote, 1987.

4 comentários:

  1. Marcos,

    Fico lisonjeado pela recomendação, mas antes faça as correções nesta postagem, rs.

    Aposto que teria observações muito pertinentes, não só aqui como em todo blog. Mas já dou-me por satisfeito por tê-lo entre os leitores do blog.

    Abraço!

    Sofista.

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  2. Obrigado pelas constantes visitas.
    Passarei por aqui com mais frequência.

    Abraço.

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  3. Obrigado pela visita, Renan!

    Aqui será sempre bem-vindo, quando quiser e puder.

    Abraço,

    Sofista.

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