A minha primeira indicação nesse espaço é o grande
GETZ/GILBERTO – Live at Carnegie Hall, de 1963. É claro que escrevo, em parte, influênciado pelo cinqüentenário da Bossa Nova completados em 2.008, mas o fato é que este albúm possui qualidade inquestionável.
Gravado ao vivo, em Nova York, no legendário Carnegie Hall – o que contribuiu muito para criar a atmosfera intimista imprescindível ao violão de João – o albúm além dos artístas título, João Gilberto e saxofonista americano Stan Getz, credita também a cantora Astrud Gilberto e na produção e piano Antonio Carlos Jobim [!] o que já é garantia de boa música. Mas eles vão além, João Gilberto, virtuose com o violão e a sua batida que desenvolveu que e alcançou o mundo , nos imberbe num encantamento que faz tudo parecer muito fácil. Astrud Gilberto, simbiótica para a vida e o violão de João, cantando em português e inglês bela e singelamente. E um Tom Jobim mais contido, mas não menos brilhante, nos arranjos e acompanhamentos.
E por fim, contrastando com todos os outros ,Getz, e o seu Jazz “prolixo, exagerado” e agudo como asseveraram alguns. Mas aí está uma das grandes realizações desse trabalho, ao meu ver, a tentativa de conciliação de
harmonias díspares.
Esse albúm possui uma
“set-list” digna de coletânea Greatest Hits. Para iniciar o show a
“standart” Garota de Ipanema [Creditada aqui também como Girl From Ipanema]. Com João iniciando no vocal, em português, e Astrud depois, em Inglês [1].
Doralice, de Caymmi , vem com a doçura e swingüe - ou
“umbigada” como disse uma vez Moraes Moreira[2] - próprios de seu compositor retratando o encanto e o espanto de quem, de repente, se descobre apaixonado.
P'ra Machucar Meu Coração é, até aqui, o momento em que Getz e Gilberto alcançam a sintonia, com um boa performance do saxofonista.
Seguindo o show, agora é a vez de
Desafinado, estatuto de legalização da Bossa Nova e o seu canto característico – que não é propriamente desafinado. Astrud Gilberto volta belíssima em
Corcovado que, para quem não se lembra, foi até tema de abertura de novela [“Laços de Família”] e que possui, em parte de seus versos, um de meus ideais de vida. Que por ser motivo e objeto da mais sublime vivência – o inefável [3] – transcrevo-o, pois qualquer comentário desse trecho seria insatisfatório.
“Um cantinho um violão
Esse Amor uma canção
Pra fazer feliz a quem se ama
Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar
Da janela ver se o Corcovado
E o Redentor que lindo.
Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama”.
Para quem achar que esse albúm se limita somente à Bossa Nova ou as incursões Jazzísticas de Getz, o que não acontece, o samba pede sua vez em
Só Danço Samba - letra de Vinícius de Moraes e música de Tom - que João que J. Gilberto conduz com uma simplicidade ímpar e conta com um excelente solo de Getz.
Na seqüência é a vez da cálida e da quase elegíaca
O Grande Amor, aqui os agudos de Getz chegam ao ponto máximo o que gera, em mim, um princípio de desconforto, leve. Pra terminar, a etérea
Vivo Sonhando que a persona configurada na canção vive sonhando e imaginando, em meio a idéias de estrelas, mar, céu e etc, se é correspondido no amor, o que além de ser obviamente importante, é motivo para a sua lamentação pois como o mesmo diz “
pobre de mim que só sei te amar”.
Um ano depois, em 1964, o disco ganhou companhia e foi lançado o segundo volume. Este, que com participação maior de Getz, contém maiores apresentações Jazzísticas como em
Grandfather's Waltz,
Tonight I Shall Sleep with a Smile on My Face e o Blues em
Stan's Blues. Mas também com a presença – ou volta do swingüe e de Caymmi- de
Samba da Minha Terra. A destreza e excelência de João em
Um Abraço no Bonfá e os quase exercícios “Bossanovísticos” de descontração
Bim Bom e
O Pato, ótimas.
Em
Only Tust Your Heart e
It Might as Well Be Spring há uma conciliação tão alta que quase resultou num outro gênero, se houvesse aqui uma ruptura ou intenção criadora do novo.
E finalizando, de vez agora, outra vez voltam aquelas que não poderiam faltar, ainda mais para um público estrangeiro
Corcovado [
Quiet Nights of Quiet Stars] e
Garota de Ipanema [
Girl From Ipanema] pra culminar com Astrud , em português, em
Você e Eu.
A audição desse trabalho vale, senão pela exímia qualidade musical dos artistas, mas sim pela inversão de papéis e valores que aconteceu nesse momento. Como queria o Oswald de Andrade no seu "
Manifesto Antropofágico", de 1928, que propunha a assimilação devoradora das idéias européias que resultaria numa criação nova e de exportação e inspiração para o mundo inteiro; aqui é o brasileiro João Gilberto criador da Bossa, que não o fez a partir do nada mas sim, segundo alguns, do Jazz (outros como Ruy Castro dizem que ele a Bossa Nova nada tinha de Jazz), cantando e tocando didaticamente, como também fez Jobim com Getz, o novo ritmo que virou influência para músicos americanos do quilate de Charles Byrd, Gerry Mulligan, Cannobal Adderley na época.
Você pode fazer o Download desse Cd nesse link:
CD1:
Aqui.
CD2:
Aqui.
E BOM SOM!
Sofista Minimus.
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1. No livro de Ruy Castro;
Chega de Saudade, Companhia das Letras, 1990., pág.338. Há a informação que esta faixa foi gravada com 5 min e 15 segundos, contando "a parte de João, em português; a entrada de Astrud, em inglês; o solo de Getz; o solo de Tom ao piano; e a volta de Astrud com Getz para terminar". Posteriormente, o produtor e dono da Gravadora Verve, Tom Creed, exlcluiu a parte vocal de João, 1 min e 20 segundo, para ficar
"boa" pra tocar no rádio.
2.Novos Baianos. Programa Ensaio. Tv Cultura, 1974. Música Ladeira da Praça.
3. Jaa Torrano. Teogonia: A Origem dos Deuses, de Hesíodo. Cap. 1. pág.11.