quinta-feira, 5 de março de 2009

O Carnaval.



Não, o carnaval na sua configuração atual não faria parte da minha paideuma (menos ainda de qualquer espécie de paidéia[1]). Esse Carnaval que conhecemos, principalmente, aquele mais divulgado na mídia, como os do sambôdromo do Rio e de São Paulo, perdeu a sua principal característica de festa do povo e para o povo. Excetuo aqui o carnaval de "bloco" destes mesmos estados e o carnaval pernambucano que, em essência, e culturalmente, é lindo. De todo modo, não sou especialista em carnaval. O que me interessa são algumas composições que, essas sim, mereceriam figurar em uma lista por sua qualidade inegável e por serem representantes "não desvirtuadas" deste espírito carnavalesco: os sambas-enredo e marchinhas.

Elenco aqui alguns que fazem parte da minha antologia: Aquarela Brasileira, composto por Silas de Oliveira, samba-enredo da Império Serrano, em 1964. Este, para mim, é o maior samba-enredo de todos os tempos. Por aliar um bom "andamento" e cadência à um certo didatismo, é uma verdadeira aula - geográfica, cultural- sobre o Brasil. Até hoje me arrepio somente por ouvir o início desse samba, seja a versão da Império ou mesmo do Martinho da Vila que o gravou depois. Letra logo abaixo:


AQUARELA BRASILEIRA

Vejam esta maravilha de cenário
É um episódio relicário
Que o artista num sonho genial
Escolheu para este carnaval
E o asfalto como passarela
Será a tela
Do Brasil em forma de aquarela
Passeando pelas cercanias do Amazonas
Conheci vastos seringais
No Pará, a ilha de Marajó
E a velha cabana do Timbó
Caminhando ainda um pouco mais
Deparei com lindos coqueirais
Estava no Ceará, terra de Irapoã
De Iracema e Tupã
Fiquei radiante de alegria
Quando cheguei à Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
Das noites de magia do candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
Assisti em Pernambuco
À festa do frevo e do maracatu
Brasília tem o seu destaque
Na arte, na beleza e arquitetura
Feitiço de garoa pela serra
São Paulo engrandece a nossa terra
Do leste por todo o centroeste
Tudo é belo e tem lindo matiz
O Rio dos sambas e batucadas
De malandros e mulatas
De requebros febris

Brasil, essas nossas verdes matas
Cachoeiras e cascatas
De colorido sutil
E este lindo céu azul de anil
Emolduram em aquarela o meu Brasil

Lá rá rá rá rá
Lá lá lá lá iá

Ouça aqui!

Se tratando de Império Serrano há ainda um outro samba de rara beleza e de grande conhecimento público, apesar de poucos saberem sua origem. Estou falando do samba-enredo chamado A Lenda das Sereias Rainhas do Mar que foi muito popular no anos 70 na voz de Clara Nunes e depois com Marisa Monte, composto para o carnaval de 1976 por Vicente Mattos, Dinoel Sampaio, Arlindo Velloso.

A Lenda das Sereias Rainhas do Mar

O mar, misterioso mar
Que vem do horizonte
É o berço das sereias
Lendário e fascinante
Olha o canto da sereia
Ialaô, Okê, laloá
Em noite de lua cheia
Ouço a sereia cantar
E o luar sorrindo
Então se encanta
Com a doce melodia
Os madrigais vão despertar
Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço das ondas
A paz ela semeia (bis)
Toda a corte engalanada
Transformando o mar em flor
Vê o Império enamorado
Chegar à morada do amor
Oguntê, Marabô
Caiala e Sobá
Oloxum, Inaê (bis)
Janaína, Iemanjá
São Rainhas do Mar...
Clique aqui pra ouvir.

A Império também tem o quase impronunciável, e acho que onomatopáico, samba "Bumbum Praticumbum Prugurundum" [Beto sem Braço e Aluísio Machado]. O samba tem um sabor metalinguístico e fala sobre os acontecimentos do carnaval e sensações advindas dele. Ouça!

Limitando-se somente em sambas-enredo que fizeram sucesso também na música popular brasileira, a escola de samba carioca União da Ilha possui dois belos exemplares: O Amanhã e É Hoje.

O Amanhã, composta para o carnaval de 1978, foi regravada pela cantora Simone e possui aquele conhecido refrão:

"Como será o amanhã
Responda quem puder
O que irá me acontecer
O meu destino será como Deus quiser".
Ouça Aqui!


Em 1982, essa escola veio com outro grande samba que já foi regravado por Caetano Veloso e fez grande sucesso com Fernanda Abreu. Quem nunca ouviu ou cantou esses versos:

"É hoje o dia da alegria
É a tristeza, nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu!
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu".
Ouça!

O Salgueiro entra nessa lista com o samba "Peguei um Ita no Norte", de 1993, com os conhecidos versos: "Explode Coração! Na maior Felicidade! É lindo meu Salgueiro! Contagiando e sacudindo essa Cidade". Ouça aqui!

Outro antológico, e que foge à essa temática festiva, é o da escola de samba Em Cima da Hora, "Os Sertões", livremente inspirado no livro homônimo de Euclides da Cunha e na Guerra de Canudos. Ouça!

De temática social também é o samba-enredo da Mangueira, de 1988, "100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão" que como já expresso no título fala sobre a escravidão e questiona se ainda estamos, ou não, nesse período. Ouça Aqui!

Pra fechar, lembro aqui uma das marchas mais conhecidas do carnaval, principalmente quando falamos de Pernambuco: Vassourinhas [Mathias da Rocha e Joana Batista Ramos]. Se você pensa que não conhece essa marchinha, engana-se pois geralmente quando vêmos, em qualquer lugar, alguém dançando frevo é ao som dessa marcha. Clique aqui para ouvir.

Termino essa lista, contando com a participação de vocês, pra lembrar de mais sambas/marchinhas e etc significativas e marcantes do carnaval.

Bom Som!

Sofista Minimus.

___________
[1]. Paidéia é, segundo Jaeger, em livro de mesmo nome; o sistema educativo que visava formar o homem individual, e mais ainda, o cidadão.

5 comentários:

  1. Muito bom... "Mudou o Carnaval ou mudei eu", talvez dissesse Machado... E por que te escondes sob a máscara de um pequeno sofista? rs

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  2. Provavelmente Machado diria isto mesmo... Lembrei-me agora de uma "vinheta" que ouvi certa vez com os Titãs: "Carnaval, Carnaval, Carnaval - Eu fico triste quando chega o Carnaval". E é assim um pouco como me sinto nesse nosso carnaval atual.

    Quanto a me "esconder", é porque sou pequeno em relação aos assuntos tratados aqui, fico até com vergonha em relação à eles...

    Obrigado pela visita Marcos - se me permite chamá-lo assim - agora que o blog está quase pronto, espero a sua participação.

    Até a próxima!

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  3. Acabo de lembrar outra música fantástica de temática carnavalesca - mas não é um samba-enredo.
    É Vila Esperança, dos Demônios da Garôa, letra de Adoniran Barbosa.

    Vila Esperança




    Vila Esperança, foi lá que eu passei
    O meu primeiro carnaval
    Vila Esperança, foi lá que eu conheci
    Maria Rosa, meu primeiro amor


    Como fui feliz, naquele fevereiro
    Pois tudo para mim era primeiro
    Primeira rosa, primeira esperança
    Primeiro carnaval, primeiro amor criança


    Numa volta no salão ela me olhou
    Eu envolvi seu corpo em serpentina
    E tive a alegria que tem todo Pierrot
    Ao ver que descobriu sua Colombina


    O carnaval passou, levou a minha rosa
    Levou minha esperança, levou o amor criança
    Levou minha Maria, levou minha alegria
    Levou a fantasia, só deixou uma lembrança...

    Mas enfim, se fomos nos estender para as letras que retratam somente o amor que termina com o fim do carnaval, teríamos que fazer outra postagem...

    Abraço,

    Sofista Minimus.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Você disse que há uma versão de Lenda das Sereias "na voz" de Clara Nunes! Por favor me mande o link, pois só acho com Marisa Monte e com os intérpretes da Império Serrano. bruno.skype (arroba) gmail.com
    Grato!

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